Coisas da vida (Luiz Fernando Veríssimo)
Casamos novos. Ela com 19 e eu com 20 anos de idade.
Lua-de-mel, viagens, mobílias na casa alugada, prestações da casa
Luiz Fernando Veríssimo
Lua-de-mel, viagens, mobílias na casa alugada, prestações da casa
própria e o primeiro bebê.
Anos oitenta e a moda era ter uma filmadora do Paraguai. Sempre tinha
um vizinho ou amigo contrabandista disposto a trazer aquela
muambazinha por um preço módico.
Ela tinha vergonha, mas eu desejava eternizar aquele momento.
Invadi a sala de parto com a câmera no ombro e chorei enquanto filmava
o parto do meu primeiro filho.
Todo mundo que chegava lá em casa era obrigado a assistir ao filme.
Perdi a conta das cópias que fiz do parto e distribuí entre amigos,
parentes e parentes dos amigos.
Meu filho e minha esposa eram o meu orgulho.
Três anos depois, novo parto, nova filmagem, nova crise de choro.
Como ela categoricamente disse que não queria que eu filmasse, invadi
a sala de parto mais uma vez com a câmera ao ombro.
As pessoas que me conhecem sabem que havia apenas amor de pai e marido
naquele ato.
O fato de fazer diversas cópias da fita era apenas uma demonstração de
meu orgulho.
Nada que se comparasse ao fato de ela, essa semana, invadir a sala do
meu urologista, câmera ao ombro, filmando o meu exame de próstata.
Eu lá, com as pernas naquelas malditas perneiras, o cara com um dedo
(ele Jura que era só um!) quase na minha garganta e a mulher gritando:
- Ah! Doutor! Que maravilha! Vou fazer duas mil cópias dessa fita! Semana que vem estou enviando uma para o senhor!
Meus olhos saindo da órbita a fuzilaram, mas a dor era tanta que não
conseguia falar.
O miserável do médico girou o dedo e eu vi o teto a dois centímetros
do meu nariz.
A mulher continuou a gritar, como um diretor de cinema:
- Isso, doutor! Agora gire de novo, mais devagar. Vou dar um close
agora...
Alcancei um sapato no chão e joguei na maldita.
Agora, estou escrevendo este e-mail, pedindo aos amigos que receberem
uma cópia do filme, que o enviem de volta para mim.
Eu pago o reembolso.
Luiz Fernando Veríssimo
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